Opinião

Cinema de Arquivo resgata imagens e documentos do período da ditadura e chega ao mercado para construção de memórias fundamentais

A obra é desdobramento de pesquisa e tem achados que convidam à reflexão sobre histórias silenciadas

A retomada da Comissão Nacional da Verdade, a saída recente do ex-ministro Silvio de Almeida  e um livro neste momento com uma investigação inédita a partir das imagens e documentos da ditadura que ajudam a contar histórias ainda silenciadas, especialmente de perseguição ao campo da cultura, aos camponeses, aos exilados: a descoberta de uma rota clandestina de imagens que ligava Brasil, Cuba e França e que tinham que sair escondidas do Brasil para que fosse denunciado no exterior o que acontecia no país, os personagens envolvidos nesta rota clandestina, desde aqueles que filmam as manifestações de 1968 , como Eduardo Escorel e José Carlos Avellar, passando por Cosme Alves Netto que esconde as imagens na Cinemateca e provavelmente as envia pra Cuba, além de Chris Marker, que as recebe e realiza filmes pra denunciar o período.

Cinema de Arquivo (Sagarana Editora) traz toda essa história, tendo como base imagens e documentos variados. Fruto de um trabalho de pesquisa meticulosa – apoiada pela Faperj – em acervos públicos e privados, prontuários, relatórios e documentos da polícia política realizados Patrícia Machado, foi finalizado em 2016, no mesmo ano do golpe parlamentar, da  retirada de Dilma Rousseff da Presidência da República, do crescimento da extrema-direita no país, acompanhado dos apelos de volta dos militares ao poder, cujos murmúrios iniciais foram ouvidos nas manifestações de 2013.

O livro propõe, além da reflexão sobre questões políticas contemporâneas e a percepção do presente, pensar a construção de memórias fundamentais para fazer frente ao esquecimento do que foi perpetrado pelos ditadores brasileiros de 1964 a 1985.

 

Histórias de vida contam a grande história

A novidade deste livro, para quem se interessa por Cinema, História e Política, é que conta a grande história a partir de pequenas histórias de vida: como a de Nego Fuba, um desaparecido político que foi filmado por Eduardo Coutinho na Paraíba cometendo o crime do qual foi acusado pela ditadura (falar para a multidão); dois cineastas que registram as manifestações de 1968 e precisam esconder as imagens que produziram; um militante que faz parte do grupo dos 70, consegue ir para o exílio no Chile, se transforma em cineasta e realiza um raro filme em que denuncia a tortura cometida no Brasil com depoimentos das pessoas torturadas.

“As histórias de vida desses homens e mulheres são recuperadas e ajudam a contar a história que os agentes da ditadura ainda querem esconder, na medida em que os torturadores não foram punidos e, com a anistia, muito do que se passou foi silenciado. Com a abertura dos arquivos da polícia política e da Comissão Nacional da Verdade, cineastas contemporâneos puderam retomar as imagens e arquivos do passado e contar parte dessas histórias. Mostramos no livro de que maneira isso é feito”, conta a autora.

Patrícia vai atrás de documentos iconográficos e audiovisuais esquecidos, e quase desaparecidos e produzidos no período – relativos a perseguições, torturas, manifestações de rua, prisões – e presentes no cinema de realizadores como Eduardo Coutinho, Eduardo Escorel, Olney São Paulo, Chris Marker, Luiz Alberto Sanz, José Carlos Avellar, entre outros.

Nego Fuba, por exemplo, está no livro, e foi filmado por Eduardo Coutinho, que, em 1962 na Paraíba, captou, sem saber, a última imagem daquele que seria um dos desaparecidos políticos brasileiros. “Ele fala para a multidão quando é filmado, crime do qual é acusado. Nos documentos da polícia política há uma carta manuscrita de Nego Fuba mostrando que ele já havia sido torturado antes da ditadura por conta da perseguição aos camponeses. Mostramos essa carta”, reforça Patrícia Machado.

Segundo  a pesquisadora e professora Andréa França, que assina uma das orelhas do livro, a autora investiga as origens dessas imagens, suas intenções, suas circunstâncias de arquivamento e, ainda, sua retomada em filmes contemporâneos, tais como: Hércules 56, Silvio Da-Rin, 2006; Retratos de Identificação, Anita Leandro, 2014; Setenta, Emilia Silveira, 2013, devolvendo ao público o que tinha sido apartado para ser esquecido e destruído das instituições públicas, de acervos familiares, das memórias dos brasileiros.

 

Muito ainda a ser dito

Luiz Sanz foi preso político, torturado, trocado pelo embaixador americano, mas consegue ir para o Chile. Lá filma os testemunhos de mulheres e homens que foram torturados como ele. O golpe no Chile acontece e ele vai pra Suécia. Realiza um filme sobre Maria Auxiliadora Lara Barcellos que se suicida na Suécia. A história de Sanz e de Maria Auxiliadora permanecem esquecidas até a abertura do arquivo da polícia política. É quando Anita Leando realiza o filme Retratos de identificação e recupera os arquivos de Sanz e a a história de Maria Auxiliadora. Quantas histórias como essa ainda podem ser contadas pelo cinema documentário e de ficção?

 

Sobre a autora:

Patrícia Machado é pesquisadora e professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e da graduação em Estudos de Mídia da PUC-Rio. É Jovem Cientista do Nosso Estado – FAPERJ (2023-2026), onde coordena o projeto “Práticas do contra-aquivo: mapeamento e análise de imagens não oficiais da ditadura militar no Brasil (1964-1985)”. Desenvolve pesquisas voltadas para os estudos da imagem, do cinema e, especialmente, dos arquivos audiovisuais. É cofundadora da REPIA – Rede de pesquisa de imagens de arquivo. Atua como consultora de pesquisa em projetos audiovisuais.

 

Cinema de Arquivo: Imagens e Memória da Ditadura Militar

Patrícia Machado

Sagarana Editora

Número de páginas do livro: 320 páginas
Formato: 16 x 23 cm
Preço: 65,00 impresso  /   43,00 e-book

Link de compra
https://sagaranaeditora.com/product/cinema-de-arquivo/

João Costa

João Costa, jornalista e assessor de imprensa, é membro da Associação Paulista de Imprensa (API) e acumula diversas premiações no campo da comunicação. Entre seus reconhecimentos, destacam-se o Prêmio Odarcio Ducci de Jornalismo, o Prêmio de Comunicação pela Associação Brasileira de Imprensa de Mídia Eletrônica (ABIME) e o Prêmio Iberoamericano de Jornalismo. Além disso, recebeu uma referência em comunicação pela Agência Nacional de Cultura, Empreendedorismo e Comunicação (ANCEC), reconhecimento por Direitos Humanos pelo Instituto Dana Salomão e uma menção honrosa do Lions Clube Internacional no Rio de Janeiro.

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