Caldeirão cultural: Brasília reúne movimentos de todos os cantos do país
Do cordel e repente a grafite, break e rap, a capital federal é um mosaico de ritmos e estilos
Brasília é um mosaico de culturas, cores e sabores. Em 63 anos de história, a serem completados nesta sexta-feira (21), a capital desenhada por Oscar Niemeyer e Lucio Costa, junto às 35 regiões administrativas, esbanja pluralidade. Caldeirão do que há de melhor no Brasil, o quadrilátero de pouco mais 5 mil metros quadrados e mais de 3 milhões de habitantes abriga as mais variadas expressões culturais.
“É um caldeirão mesmo: uma panela bem imensa à qual vai chegando tudo que é cultura, se misturando e convivendo muito bem. O rock convive com o hip-hop, que convive com o samba, este com o clássico, e por aí vai”, analisa a subsecretária de Difusão e Diversidade Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec), Sol Montes.
Tamanha pluralidade não poderia ser diferente, tendo em vista que mais de 44,5% da população brasiliense não nasceu no Planalto Central. Conforme a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) 2021, a maioria dos imigrantes veio do Nordeste – são mais de 480 mil baianos, maranhenses, piauienses e cearenses instalados no DF.
Gerente da Casa do Cantador, Zé do Cerrado afirma: “Em Ceilândia, não tem do que você ter saudade do Nordeste, porque não dá tempo, a gente tem tudo aqui” | Foto: Paulo H. Carvalho / Agência Brasília
A presença massiva de nordestinos exigiu a criação de um ponto de encontro. Em 1986, foi inaugurada a Casa do Cantador, em Ceilândia, palco de repentistas de viola, declamadores, emboladores de coco, bem como dos amantes de literatura de cordel. “Abrigamos todos os ritmos aqui, mas o forte da casa é o forró, é a cantoria de repente”, conta o gerente do local, Zé do Cerrado.
O espaço é conhecido como Palácio da Poesia e é o único monumento desenhado por Niemeyer fora do Plano Piloto. A escolha pela localização, inclusive, relaciona-se ao número elevado de nordestinos na cidade – mais de 40% do total de 350 mil habitantes. “Em Ceilândia, não tem do que você ter saudade do Nordeste, porque não dá tempo, a gente tem tudo aqui. E, de certa forma, o Nordeste está presente em Brasília inteira”, comenta o gerente.
Juventude ritmada
Além da literatura de cordel e da cantoria repentista, outros estilos se consagraram no Distrito Federal. É o caso do hip-hop, movimento cultural de origem afro-americana que surgiu no Brasil na década de 1980, em São Paulo. O estilo se manifesta por meio do grafite, do break e do rap com DJs e MCs.
“No DF, o hip-hop se difundiu como cultura periférica de protesto e de intervenção da juventude preta. Os povos foram sendo afastados do centro e foram ocupando as regiões administrativas, criando a perspectiva que queriam de cidade, arte e cultura. E para isso usaram as ruas, o único meio que tinham, num contexto de uma cidade sem equipamentos públicos culturais”, elucida Sol Montes.
Quando se trata de música, nomes como Gog, Viela 17 e Câmbio Negro foram os precursores do gênero no cenário brasiliense, entre os idos de 1980 e 1990, com denúncias sobre as dificuldades da periferia. Passados os anos, novos artistas surgiram na capital federal, ainda engajados em usar o movimento como ferramenta de transformação social.
“Isso é observado em todos os elementos do hip-hop. E é a rua que eles ocupam, que, por sua vez, foi se tornando cada vez mais artística, com arte nos muros”, salienta a subsecretária de Difusão Cultural e Diversidade. “Vem junto à juventude, como uma arte de protesto, em busca de visibilidade.”
Foi em Ceilândia que o artista Israel Paixão conheceu o rap, estilo musical que hoje é seu trabalho. O primeiro contato ocorreu em 2002, quando um amigo lhe mostrou as questões mais “técnicas” do estilo, como métrica, rima e tempo. Dado o pontapé, ele foi somando referências, testando estilos e se aperfeiçoando.
“Me sinto muito inspirado pela quebrada. Quando eu era molequinho, com 8 anos, lembro de olhar por cima do muro da casa da minha avó e ver os caras dançando com a cabeça no chão e ficar pensando: ‘Caraca, que onda é essa?’. E já era hip-hop, era o break”, afirma.
Agência Brasília